“Sentirão sua falta quando você morrer? Eu deixarei muitas lembranças na mente de muitas pessoas, algumas que me odeiam”. A frase que abre “Um Homem Por Inteiro” é dita em uma narração do protagonista, Charlie Crocker (Jeff Daniels), enquanto ele se encontra estatelado no chão de um quarto, mas já funciona como uma introdução para o personagem que a série acompanha a partir daquele momento.
A minissérie baseada no romance de Tom Wolfe, um dos baluartes do jornalismo literário estadunidense, parte do impacto para contar como se chegou até ali. Quando o texto volta dez dias, encontramos Crocker em sua mega festa de 60 anos, com direito a show de Shania Twain e muita ostentação. Não demora, porém, para descobrirmos que Crocker está quebrado, devendo mais de US$ 1 bilhão a uma instituição financeira.
É a partir daí que a série adaptada por David E. Kelley (“Big Little Lies”) se desenvolve, em um duelo de egos, de uma masculinidade mais frágil do que tóxica. Crocker, mesmo no posto de protagonista, passa longe de despertar empatia, mas os outros homens da série, como os banqueiros vividos por Harry Zale e Tom Pelphrey, parecem ainda piores com ele. Quando eles estão em tela, o espectador se vê diante de um festival de tinta de cabelo, de fragilidade disfarçada de poder pelo dinheiro.
Em seus seis episódios, “Um Homem Por Inteiro” ainda traz algumas tramas paralelas que não se conectam tão bem, como a de Conrad (Jon Michael Hill), um homem negro que, devido ao racismo de policiais e um juiz, se vê diante das agruras do sistema prisional. O arco de Conrad parece pertencer a outra narrativa, é nele que se encontra qualquer identificação que a série desperta no público.
Ao mesmo tempo que gera um sentimento de revolta, o arco deixa a impressão de estar ali apenas por isso, para gerar uma crítica social, um retrato do racista sistema prisional americano, mas coloca uma família negra no lugar de dor e apenas isso. É bem provável que não seja essa a intenção inicial, mas acaba sendo a sensação final.
O arco de sofrimento, que talvez devesse ser vivido pelo protagonista, um branco sulista, um herói local, mas um sujeito deplorável, é mais uma vez empurrado para a figura periférica, para um homem negro. Na cabeça de Kelley, um homem branco rico de 68 anos, é bem provável que exista uma “crítica social foda” na jornada de Conrad, em sua conexão com o Black Lives Matters, mas há camadas a serem destrinchadas pelo público na série e elas não são necessariamente boas.
Quando tudo se conecta, a minissérie já está perto do fim. “Um Homem Por Inteiro” é bem feita, com alguns ótimos episódios dirigidos por Regina King, mas o texto falha em sua tentativa de se justificar demais. Ao fim, e com a inclusão de algumas personagens femininas interessantes, mas mal exploradas, é quase como se a série da Netflix tivesse vergonha de ser mais uma obra sobre homens brancos ricos brigando por ego, algo que “Billions” esgotou de forma mais interessante em suas primeiras temporadas (e tentou reproduzir nas muitas outras).
“Um Homem Por Inteiro” é exatamente a série que seu criador quis entregar, e talvez seja esse o problema. Quando parte para o arco secundário, ela funciona melhor, mas sua trama principal, mesmo quando tenta oferecer alguma recompensa, incomoda pela caricatura dos personagens e pela retratação, entre a galhofa e a admiração, que o autor parece ter deles.
Comments