É curioso como Richard Linklater é subestimado, pelo menos por aqui. O cineasta é sempre lembrado pela trilogia iniciada por “Antes do Amanhecer” (1995) e por obras mais experimentais, como “Boyhood” (2014) ou “Waking Life” (2001), fazendo com que o público ignore seu potencial para o cinema pop de qualidade. “Assassino por Acaso”, apesar do título genérico no Brasil, traz um Linklater ecoando o cinema dos irmãos Coen, com o pop e o humor em meio ao caos, mas também um filme com sua assinatura em diálogos e, principalmente, ritmo.
Lançado pela Netflix mundo afora, mas distribuído nos cinemas brasileiros, “Assassino por Acaso” se baseia na história real de um professor de psicologia chamado Gary Johnson (Glen Powell). Meio nerd, meio esquisitão, ele começa a colaborar com a polícia com escutas e gravações. Um dia, ele precisa substituir o policial responsável pela “tocaia” e se sai surpreendentemente bem fingindo ser um assassino de aluguel, o que logo se torna uma ocupação. Gary estuda os possíveis contratantes, cria um personagem a partir do que eles imaginam ser um assassino e, quando a negociação é fechada, a polícia chega para prender o contratante.
As coisas saem de controle quando ele conhece Madison (Adria Arjona), uma mulher querendo contratá-lo para se livrar do marido abusivo. Gary, fingindo ser o assassino, a convence a desistir, mas acaba também se envolvendo com ela. Quando os mundos se misturam é que “Assassino por Acaso” apresenta seu real conflito.
Glen Powell, um astro em ascensão na indústria após anos e anos de carreira, brilha em cena. A cada breve aparição de um “novo assassino”, ele é um novo personagem, com identidade própria, sotaque e motivações para se encaixar no imaginário de cada cliente. É interessante ver a transformação de Gary à medida que ele se torna melhor no que faz, como se cada um daqueles assassinos inventados deixasse algo para trás no pacato professor.
O roteiro de Linklater e Powell, escrito a partir de um artigo de Skip Hollandsworth (que já colaborou com o diretor em “Bernie”), lida com a identidade, com o que seria a nossa melhor versão. No caso de Gary, a transformação é visível, mas até onde é real? É interessante notar como, no início da trama, o protagonista é um sujeito de pouco destaque, o que é reforçado pelo casting de atores “parecidos”, reforçando a sensação de que Gary passaria despercebido e teria a capacidade de se transformar em diversas pessoas.
O filme também é excelente ao colocar pessoas normais em situações limítrofes – Gary não é um assassino, mas a escalada de caos exige dele tomadas de decisões e escolhas de um. É nessa escalada que o filme de Linklater ganha em diversão e prende a atenção do espectador.
“Assassino por Acaso” é engraçado e sexy, muito sexy, sem nunca ser explícito, apenas conduzindo o espectador para a intimidade daquela relação. Muito disso se deve à química entre Powell e Arjona em cena. Imprevisível e divertida, Madison confere à trama um ar de que tudo pode acontecer, criando no público a expectativa por uma virada. O texto tem sacadas inteligentes, como a de não prolongar seus conflitos durante muito tempo; tudo é resolvido após apresentado, colocando o filme em movimento ao mesmo tempo que cria alguns mini-clímax durante a narrativa.
O filme de Richard Linklater é um daqueles casos em que a realidade às vezes é mais estranha que a ficção. “Assasino por Acaso” é um dos filmes mais legais de 2024, um texto divertido, aparentemente simples, mas com uma condução narrativa magistral e uma criação de universo que encanta por ser, ao mesmo tempo, real e fantasiosa. Imperdível.
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