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Foto do escritorRafael Braz

"Ripley" é uma das séries mais interessantes já lançadas pela Netflix



“Escrever é um substituto para a vida que não posso viver, que sou incapaz de viver.” A frase de Patricia Highsmith (1921-1995) é obra de uma mente capaz de criar universos detalhados como o de Tom Ripley, talvez sua criação mais popular. Em cinco livros publicados entre 1955 e 1991, a autora deu vida a uma personagem complexo, cheio de camadas, um golpista charmoso, com boas doses de sociopatia, mas alguém com quem o leitor surpreendentemente consegue se identificar quase culposamente.


Tom Ripley ficou mais famoso ainda com o filme “O Talentoso Ripley” (1999), indicado a cinco Oscars e estrelado por Matt Damon, Gwyneth Paltrow e Jude Law. O filme até teve uma continuação boa, “O Retorno do Talentoso Ripley” (2002), e outra bem irregular, “Ripley no Limite” (2005), mas nada que se aproximasse do charmoso filme de Anthony Minghella, ao menos não até agora.


“Ripley”, minissérie da Netflix que reconta o primeiro livro de Highsmith, talvez seja a obra definitiva do personagem nas telas. A série escrita e dirigida pelo talentoso roteirista Steve Zaillan (“A Lista de Schindler”, “The Night Of”) acompanha o golpista Tom Ripley (Andrew Scott, o “padre gato” de “Fleabag”) quando ele é contratado por um milionário para trazer seu filho playboy, Richard (Johnny Flynn), de volta da Itália. Quando a série tem início, porém, o que vemos é o protagonista arrastando um corpo escada abaixo. Como as coisas chegaram àquele ponto?



“Ripley” é visualmente espetacular. A fotografia de Robert Elswit emula os filmes italianos do início da década de 1960, período de ambientação da série, e Zaillan utiliza os enquadramentos como parte do desenvolvimento psicológico de cada um de seus personagens. Principalmente nas cenas dos EUA, há um certo vazio, um cenário de pouca esperança, o que muda quando a série se muda para a Itália.


As cenas em que o diretor traça paralelos entre as ações de Tom e o Caravaggio pelo qual ele se torna obcecado impressionam. Toda em preto e branco, a série transporta o espectador para a belíssima Costa Amalfitana em uma época mais ingênua, um prato cheio para um golpista como Tom Ripley. 


A história já é conhecida, com Ripley gradualmente se esforçando para tomar o lugar de Richard, sem se importar com quem se colocar em seu caminho. É muito interessante como a série trabalha essa transformação, pois Andrew Scott se esforça para que seu Tom Ripley não seja muito marcante, quase apático – ele pode ser o cara que você conheceu, mas de quem não se lembra direito… E ele vai te conhecer que vocês se conhecem.

A série lida bem com o silêncio, com minutos seguidos sem um diálogo sequer. O texto trabalha a construção da tensão, mas também um desconforto que deixa o espectador ciente de que qualquer barulho talvez represente uma ameaça ao protagonista.



O desenvolvimento de Tom Ripley também merece destaque, pois o conhecemos como um golpista aparentemente inofensivo, um sujeito que aplica golpes via correio, realizando cobranças indevidas em uma época de pouca informação. Com o tempo, porém, ele se transforma diante do olhar do espectador, que é quase capaz de identificar o momento em que a chave vira, do golpista malandro para o perigoso e incontrolável sociopata. Ainda assim, há algo que nos faz torcer por ele, pois é mais fácil a identificação com Ripley do que com um milionário mimado que vive uma vida de luxo na Itália sem trabalhar nada por isso.


“Ripley” talvez não seja uma série para consumo imediato, para uma maratona de episódios, sendo melhor consumida lentamente, bem aproveitada e digerida. Os oito episódios têm arcos bem definidos, com tramas que variam no decorrer da narrativa e que até dão a sensação de estarmos diante de temporadas distintas – basta analisar a quebra do fim do quarto episódio, por exemplo. Essa resolução de conflitos normalmente bem desenvolvidos funciona em contraposição à cadência do texto, ao desenvolvimento do protagonista, e isso é ótimo.


Apesar de algumas liberdades, principalmente na construção de alguns personagens, “Ripley” é fidelíssimo aos livros de Patricia Highsmith e dificilmente vai incomodar os fãs. Com texto esperto, narrativa exemplar e visual deslumbrante, a nova minissérie da Netflix é uma das produções mais interessantes já lançadas pela plataforma.





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