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Foto do escritorRafael Braz

Imperdível, "Xógum" já uma das melhores séries de 2024


Conhecido como coadjuvante em filmes hollywoodianos, Hiroyuki Sanada brilha em "Xógum"

Originalmente lançado em 1975, “Xógum”, de James Clavell, se tornou um fenômeno literário. O livro, uma história de ficção considerada bem fiel ao Japão dos anos 1700, vendeu milhões de cópias e ganhou uma adaptação para uma minissérie cinco anos depois e com direito a Toshiro Mifune (1920 -1997), parceiro habitual do lendário Akira Kurosawa (1910 - 1998), como protagonista. O livro de Clavell agora ganha uma nova adaptação, lançada no Brasil pelo Star+, como uma minissérie bem fiel ao material original e que levou dez anos para ser realizada.


Há complexidades na história do marinheiro inglês John Blackthorne (Cosmo Jarvis), que acaba no meio de uma guerra entre duas poderosas forças no Japão feudal. Na virada para o século XVII, o país vivia um vácuo de poder após a morte do antigo Taiko, que deixou apenas uma criança como herdeiro e o poder nas mãos de um conselho que inclui o senhor feudal Yoshii Toranaga (Hiroyuki Sanada). Toranaga quer cuidar do herdeiro até que ele possa assumir o trono, mas os outros conselheiros desejam se aproveitar da instabilidade e assumir o poder para se tornarem o xógum, uma espécie de governante militar feudal.



John se aproxima de Toranaga, primeiro como um refém, mas, depois, se encantando pela cultura japonesa e por Toda Mariko (Anna Sawai, de “Monarch”). É através de Mariko que o inglês consegue se comunicar – convertida ao cristianismo, a descendente de um clã samurai fala português (mas os diálogos são todos em inglês). À época, vale ressaltar, os portugueses, em plena ânsia colonialista e massacrante do cristianismo, eram praticamente a única presença europeia nos países asiáticos, informação que tem relevância na trama.


O espectador obviamente conhece toda a dinâmica daquele lugar e de sua complexa guerra pelo poder pelos olhos de Blackthorne, a novidade naquele ambiente. O personagem de Cosmo Jarvis é interessante o suficiente para segurar a carga dramática da série, com muitos arcos girando em torno dele, mas o texto de Clavell, e suas adaptações, não fazem dele o protagonista. Jarvis é ótimo no papel, principalmente nos momentos em que a comunicação ainda é um problema – pelo olhar do ator, é possível gradualmente ver o personagem se encaixando, pertencendo àquele lugar.


Cosmo Jarvis vive o britânico John Blackthorne, que acaba no meio de uma guerra por poder no Japão


“Xógum: A Gloriosa Saga do Japão” muito provavelmente será vendida a partir de samurais, cenas de ação e gueixas, mas há muito mais na série criada por Justin Marks (“Counterparts”) e sua esposa, Rachel Kondo, responsável por “resumir” o calhamaço de Clavell (na versão brasileira mais recente, o livro tem 1040 páginas).


A minissérie do Star+ desperta semelhanças com tramas familiares e conflitos por poder, algo como um “Game of Thrones” sem dragões, poderes e “zumbis”, ou seja, é uma série política. É nessa pegada mais intimista, que “Xógum” ganha força e se torna um grande drama de época, com uma recriação impecável do Japão feudal.


A história de Clavell é muito mais uma obra sobre diferenças culturais, em uma época em que isso era realmente espantoso, e a série também aprofunda nisso. O bom desenvolvimento dos personagens e de suas relações é muito importante para que eles não sejam encaixados em estereótipos que talvez funcionassem confortavelmente bem para o ocidente, algo como “O Último Samurai” (obra claramente inspirada no livro de Clavell), mas que mudaria o sentido da trama.  


"Xógum" faz ótima recriação do Japão feudal (nem parece que foi filmada no Canadá)

É interessante ver, por exemplo, que Toranaga não luta por mais poder ou para se manter na posição que atualmente ocupa, mas sim por lealdade; da mesma forma, Kashigi Yabushige (Tadanobu Asano), em uma narrativa mais fácil, talvez fosse enquadrado como um vilão, um oportunista, mas ele apenas está fazendo parte do jogo.


Outro aspecto muito legal de “Xógum” é o respeito pelas tais diferenças. Os rituais tradicionais japoneses ganham força em tela, mas não como algo exótico, e sim com certa admiração, mesmo que vejamos tudo pelo olhar de Blackthorne. Assim, a série abre espaço para violência e sexo, não necessariamente nessa ordem, sem julgamentos de quem está no comando.


Ex-estrela da música pop, Anna Sawai vive Mariko, uma das personagens mais interessantes da série


O Japão feudal é um cenário pronto para sequências de ação em cenas bem trabalhadas e com efeitos de computação gráfica usados com muita cautela. Talvez por economia (CGI encarece muito uma produção), a série opte por conter os possíveis anseios constantes por grandiosidade.


Tudo pode parecer muito grandioso, com reinos, impérios, samurais e grandes navegações, mas “Xógum” é bem mais simples do que parece. O que poderia causar certa frustração, porém, se torna uma das forças da minissérie, o ótimo texto, grandes atuações e personagens com que o espectador se importa.



 


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