Há em “Eric” duas narrativas bem diferentes brigando dentro dos seis episódios da minissérie. Existe a dramédia de um artista no limite da sanidade que passa a conviver com um monstro imaginário, o que o coloca em situações inusitadas. Há, também, o thriller policial sobre o desaparecimento de uma criança – no meio de tudo isso, há arcos de racismo, homofobia, violência urbana, epidemia de AIDS no início dos anos 1980, relacionamentos íntimos…
O problema de “Eric” é que essas diferentes narrativas nem sempre se conectam ou funcionam como uma engrenagem. Na premissa principal, Vincent (Benedict Cumberbatch) é Edgar, criador de um show de bonecos de muito sucesso na TV e pai de Edgar (Ivan Morris Howe). Um dia, o garoto desaparece a caminho da escola, dando início a uma grande busca por seu paradeiro, uma situação que coloca Vincent e Cassie (Gaby Hoffmann), mãe de Edgar, em conflito.
Enquanto Cassie busca a polícia e faz de tudo para encontrar Edgar, Vincent, mergulhado em subterfúgios, decide dar vida ao boneco que seu filho havia desenhado, Eric, pois acredita que ele, de alguma forma, trará o filho de volta.
“Eric” se divide em tramas paralelas que eventualmente se conectam ao fim. A principal delas tem o detetive Michael Ledroit (McKinley Belcher III), responsável pelo caso de Edgar, às voltas com sua vida pessoal. É bom lembrar que o início dos anos 1980 e o surgimento de uma epidemia que “matava homossexuais” oferece diversas camadas ao texto.
A série criada por Abi Morgan (“Shame”) e dirigida por Lucy Forbes (“The End of the F***ing World”) tem altos e baixos. As atuações e a ambientação são boas, mas o foco se dispersa com facilidade e criando alguns problemas na estrutura da minissérie – quando as coisas parecem engrenar, elas partem para outro caminho, para outro arco. A verdade é que “Eric” seria um filme interessante de 120 minutos, com um arco principal e algumas sutilezas às margens da história, mas, como uma narrativa de quase 360 minutos, a obra perde força.
A grande questão é que eu veria Benedict Cumberbatch falando com um monstro imaginário por horas, mas a série não nos permite uma proximidade com esse arco, apesar de o monstro dar título à obra. Assim, além dos núcleos principais, há diversos coadjuvantes que servem para conferir à série da Netflix aquela sensação de “todo mundo é suspeito”.
É frustrante como o texto parece não saber lidar com Vincent, Cassie e Edgar. O roteiro quase faz questão de culpar os pais pelo ocorrido, principalmente no desenrolar da trama, quando descobrimos o que aconteceu. É bem provável que não seja intencional, mas há uma relação de causalidade construída no moralismo.
Transformando os protagonistas em passageiros da história, quem assume o posto central é o detetive Ledroit; é com ele que o público se identifica, mas é também no personagem que o texto, incapaz de sutilezas, deposita todo seu peso. Ledroit é negro e esconde de todos os colegas sua sexualidade e até o fato de seu companheiro estar morrendo de Aids. Toda construção de um universo de preconceitos recai sobre um único personagem.
A série utiliza várias muletas para tentar manter o interesse do espectador vivo, o que funciona por algum tempo. Em determinado ponto, porém, com os personagens fazendo escolhas ruins atrás de escolhas ruins, e com uma construção de tensão artificial, que não combina com nenhuma das outras várias tramas, a paciência do público chega a um ponto limítrofe.
“Eric” não é ruim, mas perde diversas oportunidades de ir além, buscando saídas confortáveis para o texto e muletas para a identificação com o personagem. Ao fim, faz pouca ou nenhuma diferença a presença do Eric imaginário, que dá nome à série, ao lado de Vincent. O personagem funciona para dar vida às fotos que ilustram este texto e o material de divulgação, mas “Eric”, a série, é, na verdade, apenas uma série policial como tantas outras oferecidas nas plataformas de streaming.
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