Os “Garotos Detetives Mortos” apareceram pela primeira vez em 1991, durante o arco “Estação das Brumas”, da “Sandman” (provável arco principal da próxima temporada da série). Com o nome autoexplicativo, Charles e Edwin são dois jovens mortos que, ao invés de partirem para o “outro lado”, decidem ficar na Terra, fugindo da Morte e de outras autoridades, investigando e resolvendo crimes sobrenaturais.
As histórias criadas por Gaiman tinham um tom fantasioso, mas sinistro – apesar da alcunha “leve”, as tramas volta e meia lidavam com casos de violência e abusos, a ponto das HQs receberem orientação de “literatura adulta”. É justamente essa pegada, misturando aventura fantástica e trama de detetive, que torna “Garotos Detetives Mortos” uma possibilidade interessante de derivado de “Sandman” nas telas; é o mesmo universo, com tom similar, mas tudo é diferente.
Lançada em oito episódios pela Netflix, “Garotos Detetives Mortos” faz uma escolha ousada, mas que cobra seu preço. A série tem início em alta rotação, com Charles (Jayden Revri) e Edwin (George Rexstrew) perseguindo um fantasma da Primeira Guerra pelas ruas de Londres. Ao concluírem o caso, recebem a visita de uma nova cliente, um fantasma, assim como todos seus clientes, que lhes pede para entender o que está acontecendo com sua amiga médium humana, Crystal (Kassius Nelson), que talvez tenha sido possuída.
Bem, não demora e os três estão nos EUA porque Crystal sentiu uma jovem em perigo. Por lá, engatam um caso no outro, um por episódio, enquanto passam por jornadas de autoconhecimento e de compreensão das dores do outro. Ah… Eles também têm que escapar de alguns perigos pelo caminho e das forças celestiais que querem levá-los para o “além vida”.
O preço a ser pago por esse início acelerado é o excesso de conteúdo a ser explicado durante a trama. Sem nenhuma informação prévia, tudo o que sabemos dos personagens é o que é dito por eles – o problema é que o texto sente uma necessidade muito grande de explicar tudo o que se passa em tela. Assim, em vários momentos, algum personagem explica, em palavras, tudo o que acabamos de ver em tela; ou diz para o outro tudo o que aquela pessoa (ou fantasma) obviamente já sabe.
Essa superexposição textual torna a narrativa ingênua e cansativa em determinados pontos, o que é irônico visto que tudo o que a série tenta não ser é cansativa. A edição de “Garotos Detetives Mortos” é ágil, com excelentes transições, boa variação entre tomadas longas e cortes rápidos, e, principalmente, com um universo interessante – afinal, estamos num ambiente criado por Neil Gaiman.
A série da Netflix tem um nível de esquisitice pop que se tornou a especialidade do autor britânico, e isso é ótimo. Assim, não estranhamos quando uma gangue de gatos dá um enquadro nos protagonistas ou com os casos episódicos.
Com essa estrutura semi-procedural, de um caso por episódio, mas com uma trama principal caminhando em paralelo, a série ganha dinâmica, mas esse ritmo não dura durante toda a temporada. Com oito episódios de cerca de 50 minutos cada, “Garotos Detetives Mortos” sai do rumo no meio do caminho, no meio da temporada, quando a novidade perde força e a trama parece não caminhar como deveria, se tornando interessante apenas pelos casos, mas já sem a força dos primeiros episódios, por exemplo.
Ainda assim, a série tem méritos. O casting é muito bom, com o trio de protagonistas funcionando juntos e com alguns coadjuvantes interessantes, como NIko (Yuyu Kitamura) ou Jenny (Briana Cuoco), que até ganham algumas subtramas, mas funcionam mesmo como boas adições ao núcleo principal. Há também aparições de alguns rostos conhecidos de “Sandman”, reforçando a conexão entre as séries, quase como em um uma história para preencher o espaço entre as temporadas da série da Netflix.
Ao fim, mesmo divertida e capaz de manter o interesse do público aceso, apesar dos tropeços, “Garotos Detetives Mortos” é típica série que a Netflix cancela após uma temporada, destino sofrido por uma obra muito similar, a ótima “Lockwood & Co.”. Se até “Sandman”, cercada de elogios e fãs, sofreu para ser renovada, imagina seu derivado menos interessante…
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