Apesar de todos os problemas de funcionamento, compatibilidade e até da dificuldade de assinatura dos serviços, a AppleTV+ tem se consolidado como uma casa de boas séries ao oferecer mais qualidade do que quantidade, título antes guardado pela quase finada HBO. Ainda, a plataforma da Apple é quem tem entregado narrativas mais únicas e até ousadas, algumas que dificilmente seriam lançadas pela Netflix, por exemplo – é difícil imaginar a popular concorrente renovando séries caras como “Fundação” ou dando vida longa à minha favorita, “For All Mankind”, que já vai para a quinta temporada.
É difícil também imaginar que outra plataforma que não a AppleTV lançasse “Constelação”. Criada por Peter Harness, roteirista com passagens por “Doctor Who”, a nova série da Apple é uma ficção científica que se envereda por vários caminhos diferentes.
Na trama, Jo Ericsson (Noomi Rapace) é uma astronauta da ESA (agência espacial europeia) em uma missão com colegas de diversos países. Quando as coisas dão errado durante a missão, Jo permanece a bordo da nave enquanto seus colegas, ao menos parte deles, conseguem retornar à Terra.
“Constelação” usa o clássico recurso de começar pelo choque. Em suas primeiras cenas, Jo está em fuga ao lado da filha, Alice (Rosie e Davina Coleman), ou seja, já temos a certeza de que ela retorna da missão, mas há algo errado e ela não sabe ao certo o que é.
O texto faz algumas escolhas curiosas, mas que rendem bons resultados. Por exemplo: há inicialmente um questionamento acerca das coisas que Jo diz ter visto no espaço, coisas que só ela viu. O roteiro obviamente introduz a questão sobre a capacidade dela naquele momento, “estaria com pouca oxigenação no cérebro?” ou aquilo aconteceu de verdade e estamos diante de algo muito mais complexo. Essa resposta é apresentada logo em seguida, ao menos para o espectador, possibilitando que texto se aprofunde no que realmente entende importar.
Nos três episódios já disponibilizados, “Constelação” constrói bem a tensão e espectador compartilha com Jo a sensação de estranheza. É muito interessante quando se percebe que talvez a personagem de Noomi Rapace não seja, de fato, a protagonista da história, mas apenas uma peça. Gradualmente, Henry Caldera (Johathan Banks, de “Breaking Bad”) ganha espaço e importância na narrativa. Na realidade na qual a série se passa, Henry era tripulante da Apollo 18 (na realidade, foram 14 missões Apollo) e pisou à Lua, mas também é um pesquisador que talvez entenda o que ninguém parece entender.
O texto apresenta algumas pistas do que está acontecendo, algumas escondidas em detalhes, outras, em diálogos, mas é possível começar a construir, lá pelo terceiro episódio, as teorias sobre “Constelação”. A série opta por não se sustentar em cima do grande mistério, dando voltas e mais voltas para enganar o espectador; ao invés disso, ela se preocupa com os personagens e o que tudo aquilo significa para eles.
O problema, porém, é que o ritmo da série muda após os episódios iniciais. Todas as sequências espaciais são ótimas, mas não é possível dizer o mesmo de algumas subtramas terrestres – quando algumas peças se encaixam, há bons momentos, mas outros totalmente desnecessários. Assim, em alguns momentos, parece que nada acontece (e realmente não acontece) em períodos que seriam melhores explorados se trabalhados com alguma virada do texto.
Ao fim, tem-se a impressão de que a série talvez se leve a sério demais, como se tivesse apresentando conceitos que hoje já são bem comuns na cultura pop e que talvez não necessitem de tanto tempo de explicação. Em outros momentos, a impressão é de que a ideia é apresentar um universo para desenvolvê-lo em uma segunda temporada, o que nunca é garantido. Ainda assim, “Constelação é uma experiência interessante, uma série adulta, com bom casting (as gêmeas como Alice, por exemplo), bons conceitos e muito bem realizada, mas talvez fosse melhor como uma minissérie.
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