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Foto do escritorRafael Braz

"Bebê Rena", da Netflix, é uma das melhores séries que você vai ver este ano




Durante quatro anos e meio, o humorista escocês Richard Gadd foi perseguido por uma mulher de meia-idade. Nesse período, ela enviou 41.071 e-mails, 106 páginas de cartas escritas à mão, 744 tweets e uma grande quantidade de presentes estranhos. Ela também ficava parada do lado de fora de sua casa, esperando Gadd sair e entrar, o perseguia no pub em que trabalhava e o atacava durante suas apresentações em clubes de comédia. Ainda, ela passou a ameaçar os pais de Richard e a mulher com quem ele saía à época.


A assustadora história de Gadd chegou à Netflix, no formato de uma minissérie, com o péssimo título “Bebê Rena”, que até faz sentido no original, mas que não funciona em nosso idioma. Na série, Gadd é Donny, um comediante/roteirista em início de carreira e que trabalha em um pub para se sustentar. Um dia, Martha (Jessica Gunning), uma mulher de 40 e poucos anos, vai ao bar sozinha e triste – ela diz ser advogada de pessoas importantes, mas também afirma não ter dinheiro para pagar um refrigerante. 


Movido pela empatia, Donny banca a bebida dela e faz rir. Gradualmente eles desenvolvem uma relação de amizade, mas também de codependência; o comediante frustrado, solitário e traumatizado tem alguém que ri de suas piadas, enquanto a mulher solitária estabelece uma nova obsessão, indo diariamente ao pub, descobrindo seu e-mail e enchendo sua caixa de mensagens um tanto estranhas. As coisas, é claro, escalam de uma maneira imprevisível.



“Bebê Rena” não é o que se espera da série. Do início estranhamente bem-humorado, o texto passa por uma grande crescente de drama até mergulhar no processo de depressão de seu protagonista. O roteiro é muito eficiente em não fazer julgamentos de seus personagens, nem mesmo de Martha, e em se aprofundar nos aspectos pessoais de Donny. Por que, afinal, ele dá tanta corda para sua stalker? A relação de codependência tem raízes profundas e a série explora essas questões com maestria.


É bom ressaltar que quase tudo que está em “Bebê Rena” realmente aconteceu, inclusive as complexas relações de Donny com alguns personagens que cruzam seu caminho. A construção dessas relações ajuda o espectador a entender seu protagonista e suas escolhas - ajuda, no caso, a narração do personagem contando a história, com certa dose de culpa e uma constante perplexidade diante dos acontecimentos.



É quase cruel como a série tem Donny se descobrindo através da dor e das coisas que vêm em Martha quase como um espelho. São pessoas totalmente diferentes, ele obviamente não é um sociopata, como ela, mas eles se encontram na solidão, no lugar de estranhamento social, no não-pertencimento. Nessa identificação, é curioso pensar como os rumos seriam diferentes se a relação fosse construída sem a obsessão, sem a violência - o texto nos leva a esse questionamento quando se aproxima da conclusão que, vale ressaltar, não é a mesma da história real de Gadd.


“Bebê Rena” é fiel aos acontecimentos, basta uma rápida busca para ler sobre eles on-line, mas compreensivelmente opta por algumas soluções mais “cinematográficas”, que funcionariam melhor na tela do que a versão real.


A série, inicialmente um produto de humor, lida com questões pesadas de saúde mental. Donny se sente culpado pelas coisas que acontecem em sua vida, mesmo quando ele é claramente uma vítima. É muito interessante como a série nos conduz pelo olhar de seu autor para dentro dessa culpa – em um arco específico, o sentimento inevitável do espectador é de revolta, mas não é assim que Donny reage. 




“Bebê Rena” não julga, mas também não pede que não o façamos. É uma história construída na negação, na solidão, mas também na identificação, nas conexões de relacionamentos que pareciam distantes, mas que se reencontram na dor – o diálogo de Donny com o pai, e as cenas subsequentes, são emocionantes. Isso não significa, porém, que o texto não seja engraçado, ele é, mas tem um humor peculiar, meio tenso, como se alguma coisa estivesse sempre a ponto de dar muito errado.


Ao fim, mesmo sem muito barulho, “Bebê Rena” é mais um acerto recente da Netflix e uma das séries mais surpreendentemente intimista e honesta que você vai assistir por um bom tempo. Um texto difícil, mas essencial.





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