Em agosto de 2014, Kevin Olguín Sepúlveda foi um dos ladrões que levaram mais de US$ 15 milhões em uma ação no aeroporto de Santiago, no Chile. Ao invés de esperar a poeira baixar para gastar seu dinheiro, Kevin partiu para a Europa e passou a postar, em suas redes sociais, uma vida de luxo, sem fazer a menor questão de se esconder. Por dois anos, ele esbanjou, mas acabou preso na Espanha e extraditado ao Chile, onde continuou uma carreira no crime entre idas e vindas da prisão.
Mesmo para quem conhece a história do que os chilenos apelidaram de “o roubo do século”, o parágrafo acima não representa spoilers de “Baby Bandito”, nova série da Netflix que reconta o roubo e os eventos posteriores à sua maneira. Na abertura de cada um dos oito episódios, aparece a mensagem: “série baseada em fatos reais e distorcidos para a sua conveniência e a nossa”, o que deixa claro haver muita ficção em toda a trama.
“Baby Bandito” conta como Kevin Tapia (Nicolás Contreras), um jovem estudante de Turismo, se transformou em um dos mais famosos ladrões do Chile. “Dizem que o dinheiro não traz felicidade, mas quem diz isso nunca foi pobre”, pondera o protagonista logo no primeiro episódio. O início da série funciona como contextualização tanto do aspecto real, que se torna apenas um detalhe, quanto de todo o resto.
Kevin só quer saber de andar de skate e conquistar Gênesis (Francisca Armstrong), mas um dia alguns mafiosos aparecem na sua casa para cobrar dinheiro de sua mãe, que se envolveu com eles para conseguir pagar os estudos do filho. Logo, meio sem querer, Kevin tem a mãos detalhes de um grupo de bandidos, os “Carniceiros”, para realizar tal roubo.
“Baby Bandito” ganha ares de filme de assalto, com a formação da equipe, cada membro com sua característica, o planejamento e a execução do roubo. É neste ponto que a série da Netflix é, de fato, divertida, com boa construção de tensão, muita possibilidade de as coisas darem errado e um protagonista até carismático, mas depois percebemos que não é esse o foco da trama, apenas seu catalisador.
A única coisa real de “Baby Bandito” é o roubo – e mesmo assim ele não ocorreu da forma mostrada – e a vida de luxo de Kevin nda Europa. Isso não é um problema, principalmente quando o texto faz questão de ressaltar as “distorções”, mas é importante ressaltar para que não seja vendido como uma “história real”.
O texto da série produzida por Pablo Larraín (“O Conde”), um entre tantos produtores, é, na verdade, a construção de um anti-herói. O Kevin da série é quase uma vítima, o jovem suburbano que realiza um roubo que já seria realizado de qualquer forma, mas por outras pessoas. Ele viu o pai ser preso, sofreu na mão de jovens ricos e vê os bandidos se darem bem; por que não aproveitar algo que o “destino” colocou em seu caminho?
Na distorção da história real, “Baby Bandito” ganha famílias mafiosas, o já citado grupo de bandidos, coadjuvantes com potencial desperdiçado (utilizados apenas para movimentar o roteiro) e um melodrama familiar completamente deslocado e mal desenvolvido. Uma informação chave desse arco é apenas jogada em tela na esperança de os espectadores não questionarem muito e também não esperarem nada interessante dali.
Com episódios curtos (poucos ultrapassam 40 minutos), a série se atropela em alguns arcos, mas a culpa é muito mais de um subaproveitamento do tempo do que da falta dele. O excesso de liberdade criativa tira o foco de Kevin e do roubo em algumas subtramas em tentativas de desenvolver outros personagens, mas não funciona. O resultado são personagens ruins, exceção talvez feita a Panda (Lukas Vergara), que ganha um pouco de profundidade, mas o texto se acovarda no final e tira do centro de um arco que era dele, entregando-o a um quase figurante.
Ao fim, “Baby Bandito” é pop e diverte, mas não traz nada diferente. A narrativa é muito similar à de séries como “As Mil Vidas de Bernard Tapie” ou “Um Homem de Ação”, sobre o anarquista Lucio Urtubia, textos que se esforçam a deixar tudo mais interessante e cinematográfico do que realmente foi, mas que nem sempre conseguem. A série chilena pelo menos tem a dignidade de não se vender como história real, mas como uma ficção inspirada em fatos.
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