A cineasta chinesa Lulu Wang é responsável por um dos meus filmes favoritos dos últimos anos, “A Despedida” (2019). Na história de uma jovem sino-americana que volta à China quando sua avó é diagnosticada com um câncer terminal, o texto surpreende pela leveza e pelo inesperado bom humor – o fato de a família tentar esconder o diagnóstico da matriarca ajuda.
Desde seu aclamado filme, no entanto, Wang pouco deu as caras. Cinco anos depois, a cineasta está de volta com “Expatriadas”, série da Amazon Prime Video que produz e em que dirige todos os seis episódios (dois já estão disponíveis).
Adaptação do livro homônimo de Janice Y. K. Lee, “Expatriadas” é a história de três mulheres americanas vivendo em Hong Kong na primeira metade da década passada. A série tem inicio com um texto sobre responsabilidade e culpa, mas não entendemos ao certo o que aconteceu. Primeiro encontramos Margaret (Nicole Kidman), mulher rica cujo marido foi promovido por lá quando todos já estavam prestes a voltar para casa.
Margaret carrega um peso, uma dor que o texto não explica de imediato, mas que parece ter se tornado um fardo em sua vida ao ponto de sua vizinha e amiga Hilary (Sarayu Blue), também uma expatriada, nem mais saber como agir em sua presença. Quando o caminho delas se cruza com o de Mercy (Yoo Ji-young), as peças vão se encaixando e o drama passa a envolver também o espectador.
“Expatriadas” é um texto sobre culpa, mas não é tão simples quanto parece, pois a culpa é maior e mais significativa do que a carregada pelo acontecimento central da série. Há a culpa de classe e racial nas falas de Margaret e também nas escolhas de Hilary, com um casamento em ruínas. Já Mercy, uma jovem americana de ascendência coreana, se parecer fisicamente com as pessoas daquele lugar, não pertence a ele – ela vive de bicos e nem sequer entende o idioma.
É interessante como o roteiro busca a compreensão do espectador ao aproximá-lo das personagens, quase como se quisesse que compartilhemos de sua dor. Com uma sala de roteiristas toda de mulheres adaptando um livro escrito por uma mulher, a série busca essa identificação em detalhes de relações e fala, mas principalmente nas cicatrizes.
A Margaret de Nicole Kidman se recusa a esconder sua dor e não liga para o desconforto que isso talvez gere em pessoas a seu redor, como a já citada Hilary. A atriz australiana tem atuação elegante e firme até nos momentos de fragilidade de sua personagem, que busca a dor como algo indissociável.
Hong Kong é filmada com o clichê de ser quase um personagem da série, o que fica escancarado pela maneira como Wang filma os arranha-céus da cidade e, principalmente, a rua da “feira” ao final do segundo episódio. A série se situ no período dos movimentos sociais pró-democracia de 2014 e alguns de seus personagens passeiam por mundos distintos, mergulhando nesses movimentos que são mais que panos de fundo. Essie, a babá filipina dos filhos de Margaret, considerada “da família”, vai do condomínio de luxo em que trabalha às camadas que mais sofrem com a efervescência social do país.
Lulu Wang filma a série como se estivesse fazendo cinema, com belas imagens, ótimas atuações e uma cadência que só uma minissérie pode oferecer ao contar uma história tão profunda com a calma que ela merece. O segundo episódio, por exemplo, é uma aula de construção de tensão narrativa; fica claro que algo vai acontecer, o fato que marca a série, sabe-se até com quem vai acontecer, mas não se sabe o momento. Wang manipula o espectador a esperar o pior a cada cena, o deixando preso à tela imaginando qual será, enfim, o desfecho de tudo aquilo.
Ao fim, “Expatriadas” é uma série sobre culpa e dor, mas também sobre a maneira como cada pessoa entende e vive essa dor. O fato de nenhuma personagem ser necessariamente adorável é um convite ainda maior à empatia do espectador.
Dicas
1 - A Favorita (Netflix)
Com “Pobres Criaturas” indicado a 11 Oscar, faz todo sentido recomendar o filme anterior do cineasta grego Yorgos Lanthimos. “A Favorita” foi indicado a 10 Oscar e levou apenas um, com Olivia Colman (Melhor Atriz), apesar de ser, de longe, o melhor filme entre os indicados (o vencedor foi o péssimo “Green Book”). O filme com Colman, Emma Stone e Rachel Weisz é uma esquista e deliciosa dramédia sobre a rainha Ana e suas conselheiras/amantes.
2 - A Lenda do Cavaleiro Verde (Amazon Prime Video)
Um dos melhores filmes de 2021, “A Lenda do Cavaleiro Verde” é baseado num poema das lendas arturianas, mas subverte as expectativas com uma abordagem mais surrealista, intimista e sensorial. Tecnicamente belíssimo, o filme do ótimo David Lowery é sobre sobre o que realmente faz um cavaleiro ser digno de honras. É estranho, mas muito satisfatório e recompensador. Escrevi sobre o filme quando de seu lançamento. Confira aqui.
3 - Tokyo Vice (HBO Max)
Um repórter estadunidense em Tóquio acaba mergulhando no submundo da máfia no Japão após se dedicar a algumas matérias aparentemente inofensivas. A série é ótima, com ritmo empolgante e uma tensão crescente ao misturar máfia e jornalismo. A boa notícia é que uma segunda temporada já foi confirmada.
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