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Foto do escritorRafael Braz

"A Morte Entre Outros Mistérios" é uma das séries mais legais do início de 2024


Mandy Patinkin e Violett Beane comandam as investigações de um assassinato em um navio de milionários

As primeiras histórias de crimes em livretos datam do século XVII, na China. Em 1617, no “Book of Swindles” (algo como “O Livro da Malandragem”), o autor Zhang Yingyu documentava crimes em histórias curtas, quase como contos. Foi na Europa, porém, que essas obras se tornaram literatura popular com a popularização de jornais mais baratos, os chamados tabloides, entre os séculos XVII e XVIII. 


A curiosidade sobre crimes reais abriu espaço também para histórias de ficção. No início do século passado, Agatha Christie publicara seus primeiros livros e popularizou o gênero “criado” décadas antes com a publicação do conto “Os Assassinatos da Rua Morgue”, de Edgar Allan Poe, e do livro “A Pedra da Lua”, de Wilkie Collins. Com os textos sendo escritos há quase um século, foi o crítico literário Donald Gordon que cunhou o termo “WhoDunIt” que define esses suspenses ainda hoje.




Os “WhoDunIt”, o famoso “quem matou?”, estão em alta em diferentes formatos. Eles podem aparecer em obras mais classudas, como “Big Little Lies” ou a recente “Assassinato no Fim do Mundo”, ou em sátiras, como “Only Murders in the Building”. Nos últimos anos, no entanto, narrativas que remetem à Era de Ouro do gênero estão em alta. Não é coincidência que Kenneth Branagh tenha adaptado três romances de Agatha Christie, “Assassinato no Expresso do Oriente” (2017) quanto de “Morte no Nilo” (2021) e “Noite das Bruxas” (2023), ou que a Netflix tenha pagado uma fortuna pela marca “Knives Out” (“Entre Facas e Segredos”).


A longa introdução (perdão pelo vacilo) serve para contextualizar “A Morte Entre Outros Mistérios”, série lançada pelo Star+. Criada por Heidi Cole Adams (“The 100”) e Mike Weiss (“Chicago P.D.”), a série tem todos os ingredientes de um suspense da Era de Ouro, mas se esforça para ir além.


Logo no primeiro episódio, dirigido por Marc Webb (“500 Dias com Ela”), a série já apresenta seus personagens. O grande mistério, ao menos a princípio, é quem é o responsável pelo assassinato a bordo de um navio cheio de milionários. Para o azar do assassino, Rufus Cotesworth (Mandy Patinkin, de “Homeland”), outrora considerado o melhor detetive do mundo, está no navio e vai comandar as investigações até a chegada das autoridades. Acontece, claro, que todos no navio podem ser o assassino.




É muito interessante como “A Morte Entre Outros Mistérios” tem plena ciência dos limites da fórmula e, por isso, amplia seu escopo. O assassinato central logo se conecta com um fracasso do passado de Rufus e com Imogene (Violett Beane), mulher que cresceu alimentando algo entre a admiração e o ódio pelo detetive.


Com uma temporada relativamente longa (10 episódios) a série entende não poder permanecer no mesmo lugar por muito tempo – erro cometido pela já citada “Assassinato no Fim do Mundo”, com três episódios a menos. Assim, todo episódio traz revelações importantes, desenvolvimento de personagens através de flashbacks e boas viradas.


Um dos grandes acertos de “A Morte Entre Outros Mistérios”, talvez o maior deles, é justamente sempre seguir adiante. As subtramas se resolvem rapidamente, sem muita enrolação, e acrescentam novas camadas ao arco principal que, por sua vez, também se movimenta com o máximo de agilidade que o gênero permite.




Patinkin e Beane são ótimos juntos, dando força ao histórico conturbado de Rufus e Imogene e conferindo à série os tons distintos pretendidos pelo texto. Quando comandada por Rufus, o texto é mais sagaz e direto, quase como se o detetive nos convidasse a compartilhar de seu olhar sobre aqueles acontecimentos; suas descobertas nunca são aleatórias e convencem quando explicadas. Quando Imogene está em foco, “A Morte Entre Outros Mistérios” ganha novas possibilidades – a jovem tem interesses românticos e está envolvida praticamente em todos os arcos.


O texto busca referências diversas, da óbvia Agatha Christie a subtramas ao estilo “eat the rich” de “White Lotus” ou até mesmo “Succession”. Ao fim, “A Morte Entre Outros Mistérios” é inteligente e divertida, uma série de suspense que fica no limite de se levar a sério demais, mas nunca o faz, pelo contrário. A série mantém sempre o tom de comédia de erros que dá a ela um ar mais refinado, mas sempre mais perto do popular do que do cult. Uma das boas surpresas deste início de ano.


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