Jeffrey Epstein (1953-2019) foi um financista estadunidense que fez fortuna no mercado financeiro, dinheiro que o tornou parte de uma elite social nos EUA. Em suas festas e em seu círculo social, era comum ver nomes como os ex-presidentes Donald Trump e Bill Clinton, os atores Kevin Spacey, Chris Tucker, o picareta herdeiro bilionário mimado Elon Musk, e até a realeza britânica, representada na figura do Príncipe Andrew, o Duque de York.
Epstein, porém, foi investigado, julgado e condenado por tráfico e abuso de garotas menores de idade que ele levava no jato que apelidou de “Lolita Express” de uma cidade para outra, de festa em festa, em troca de dinheiro. O FBI identificou 36 meninas, algumas de até 14 anos, que teriam tido relações sexuais com Epstein ou com seus amigos em algumas de suas festas. Tudo isso, contado em detalhes, pode ser encontrado em “Jerry Epstein: Poder e Perversão", minissérie documental da Netflix.
Acontece que entre os nomes citados no primeiro parágrafo há um especial: o Príncipe Andrew. “A Grande Entrevista”, filme lançado meio às escondidas pela Netflix, reconta a história da entrevista concedida pelo Duque de York a um programa da BBC. Tudo tem início quando um fotógrafo freelancer contata a jornalista Sam McAlister (Billie Piper, de “Doctor Who”) ao registrar o príncipe (Rufus Sewell) e Epstein caminhando em um parque. A essa altura, Epstein já havia sido condenado, preso e solto por pagar por relações com uma menina de 14 anos, ou seja, a relação entre eles não pegava nada bem na família real e na tradicional sociedade britânica.
“A Grande Entrevista” não é um filme pioneiro de “entrevista” (“Frost/Nixon” fez isso com maestria) ou tampouco sobre algum escândalo sexual desvendado por jornalistas (“Spotlight” fez muito melhor”), mas é bem eficaz. Dirigido por Philip Martin a partir de um roteiro escrito pela jornalista Samantha McAlister e por Peter Moffat, o filme tem paciência para se transformar em um inesperado e até tenso suspense.
É curioso como não há grandes conflitos no texto – o que importa é a tensão, toda a construção da pré-entrevista, e, claro, a entrevista em si, o jogo de palavras, de gato e rato, entre a jornalista Emily Maitlis (Gillian Anderson) e o príncipe.
Para correr dessa forma, o filme necessita que seu público tenha ao menos conhecimento do caso de Epstein, pois pouco é explicado ali e apenas muito superficialmente. Sem a real noção do escândalo, tudo parece um exagero, mas Andrew era o príncipe queridinho da rainha, uma figura carismática, atenciosa, um bom pai e um herói da Guerra das Malvinas; por que ele seria próximo de uma figura como Epstein, estaria ele envolvido nas mesmas acusações do amigo?
“A Grande Entrevista” constrói o príncipe como um sujeito engraçado, que parece ter sido pego num momento de fragilidade – Andrew é quase amável e é a desconstrução desse personagem que traz ritmo ao texto.
O filme da Netflix traz também uma tentativa óbvia de reforçar a importância do jornalismo profissional, de saber conduzir uma entrevista e, principalmente, de saber ouvir. Há um ou outro momento de didatismo, quando Sam, surpresa, pergunta para um produtor “o que está acontecendo?”, ao que o rapaz responde: “ela está deixando ele falar”, como se não estivéssemos assistindo exatamente à mesma cena. Há também um pouco de pieguice, principalmente no final, como se, depois de tudo, fosse necessário explicar, mais uma vez, a importância daquela entrevista, do jornalismo em si.
Um filme como “A Grande Entrevista” dificilmente seria incrível ou muito forte, pois se trata de uma história já conhecida, com desfechos e destinos amplamente registrados. O filme até busca um lado pessoal de Sam, provavelmente por ela estar envolvida na produção, mas o arco é subdesenvolvido. Ainda assim, é um filme que surpreende pela boa construção de tensão do roteiro, por pegar emprestado recursos de edição de filmes esportivos, antagonizando a preparação de personagens para o grande embate. Ao fim, é uma experiência bem mais interessante do que aparenta ser.
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